Por Marques Casara
04 de Novembro de 2019
“Sem fiscalização, nada vai mudar”
Ano passado, seis multinacionais foram denunciadas por financiar trabalho escravo em fazendas de café no Brasil. São elas: Nestlé, Jacobs Douwe Egberts, McDonald’s, Dunkin’ Donuts, Starbucks e Illy.
Se você tomou café hoje, provavelmente a bebida veio de uma das empresas aqui mencionadas. O café que você bebe tem aroma, sabor, intensidade e prazer. Mas tem também algo que você paga, mas não gostaria de consumir: trabalho escravo, violência, descaso com seres humanos.
A denúncia do trabalho escravo foi feita pela Articulação dos Empregados Rurais do Estado de Minas Gerais (ADERE-MG), em parceria com a Conectas Direitos humanos. A denúncia foi protocolada junto à Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Passado um ano da denúncia, conversei com um dos coordenadores da ADERE-MG, Jorge Ferreira dos Santos. Perguntei o que mudou, o que as empresas fizeram para evitar que o trabalho escravo continuasse contaminando seus negócios.
“A situação está pior a cada dia. As empresas não fizeram nada”, disse Jorge. Ele aponta que, de fato, houve uma piora, principalmente no que diz respeito à fiscalização dos órgãos de governo. “Sem fiscalização, nada vai mudar”, alerta.
O café brasileiro está entre os melhores do mundo, em termos de qualidade do produto. O que não falta ao café brasileiro são prêmios internacionais. Será que em algum momento esses prêmios vão considerar o valor da vida? Os custos sociais inerentes à produção?
As empresas precisam dar uma resposta. A palavra está com Nestlé, McDonald’s, Dunkin’ Donuts, Starbucks, Illy e Jacobs Douwe Egberts, dona de várias marcas conhecidas, tais como Pilão, Caboclo e Café do Ponto.
O silêncio hipócrita do terceiro setor
Multinacionais têm por hábito fazer de conta que não é com elas quando o assunto é violação de direitos. O que surpreende mais, a cada dia, é a hipocrisia de organizações que deveriam enfrentar o problema e ajudar a denunciar, mas que fazem cara de paisagem, em troca do cheque que chega todos os meses, a título de “apoio” para enfrentar o trabalho escravo e outras violações dos direitos humanos.
As empresas que mais violam os direitos humanos são as que mais injetam dinheiro em organizações que poderiam denunciá-las. Por que será?
No setor do café, a última jogada de marketing se chama Pacto Setorial para a Sustentabilidade Social do Café. É um nome belíssimo, mas que em nada avança para conter as violações na cadeia produtiva do café. Violações que afetam principalmente as mulheres trabalhadoras, que envelhecem e morrem nas lavouras, sem nenhum tipo de garantia social.
A ADERE-MG, por exemplo, que fez a maior parte das denúncias de trabalho escravo no café, sequer foi convidada para participar do tal pacto.
“Esse pacto foi criado para nos calar, para calar a voz dos trabalhadores do café. É uma jogada de marketing para favorecer as empresas. Nunca fomos chamados para o debate. É um pacto ‘para inglês ver’, puro marketing ”, diz Jorge Ferreira dos Santos.
No enfrentamento do trabalho escravo, definitivamente, o Brasil já passou por melhores momentos.
Edição: Katarine Flor
Fonte: Brasil de Fato