O Velho Testamento já incluía na receita: três quilos da planta kaneh-bosm. Na Bíblia em português, o leitor provavelmente vai encontrar traduzido como cana aromática. Não se engane, a Bíblia estava falando da Cannabis Medicinal. A planta era um dos ingredientes do preparo do óleo sagrado para unção ou consagração, o que pode ser conferido no livro do Êxodo 30:22-23. Na época, um curandeiro poderia fazer uma infusão com óleo de oliva ou acrescentar extratos como mirra, canela ou cássia e aplicar o unguento de forma tópica.
Cannabis no Velho Testamento
Em 1936, a etimologista e antropóloga do Instituto de Ciências Antropológicas de Varsóvia, Sula Benet, estabeleceu a primeira evidência do uso da Cannabis pelos hebreus. A etimologia estuda a origem e história das palavras e Benet tinha especial interesse na cultura e tradição judaica. Segundo ela, pensava-se que a palavra Cannabis tinha origem cita (região hoje do Oriente Médio e Europa Oriental). Benet, entretanto, demonstrou que a origem da palavra é mais antiga, com raízes nas línguas semitas como o hebreu, aparecendo diversas vezes mencionada no Velho Testamento. No texto original em hebreu, o Velho Testamento fala de cânhamo, tanto como incenso, como parte integrante de celebrações, quanto como intoxicante.
Foi Benet quem primeiro demonstrou que a palavra análoga a Cannabis no hebreu tradicional é “kaneh-bosm”, também aparecendo como “kaneh” ou “kannabus”. A raíz “kan” e sua construção significa cânhamo ou junco, enquanto “bosm” é “aromático”. A palavra aparece cinco vezes no Velho Testamento: nos livros do Êxodo, na Canção das Canções, Isaías, Jeremias e Ezequiel. A tradução feita com a planta cálamo é também refutada por ela ser uma planta comum, com baixo valor financeiro e não possuir as qualidades atribuídas ao kaneh-bosm.
O milagre de Jesus
Se o leitor não se convenceu com a explicação etimológica, talvez se convença com a “teoria do junco aromático”. Se assumirmos que o óleo descrito no Êxodo de fato continha altos teores de Cannabis, o produto certamente seria potente o suficiente para explicar os muitos milagres de cura atribuídos a Jesus. Afinal, a planta tem comprovada eficácia em tratamentos variados como doenças de pele, glaucoma, doenças neurodegenerativas, inflamações, infecções, enjoos e dores em geral.
De acordo com antigos documentos cristãos, até a cura de amputados era atribuída ao uso do óleo sagrado. O texto mais antigo que o Velho Testamento, o Atos de Pedro e os Doze Apóstolos, descreve Jesus dando uma caixa de unguentos e uma bolsa cheia de remédios para seus apóstolos. Com eles, instruções para que fossem à cidade para curar os doentes. Jesus explica que eles teriam que curar os corpos antes de curar o coração.
Receita do óleo sagrado
É possível dizer que a Bíblia chega um pouco tarde no uso da Cannabis. A planta já era cultivada como alimento desde 6000 AC e muitas religiões contemporâneas ao judaísmo, como as que adoravam a deusa Ashera, usavam sua própria kaneh-bosm. Entretanto, a primeira aparição da kaneh-bosm no Livro Sagrado ocorre somente na história de Moisés e o arbusto ardente. O profeta recebe a receita do óleo sagrado diretamente do Senhor. Segundo as orientações recebidas, apenas a classe religiosa poderia ser ungida, regra flexibilizada posteriormente para incluir acesso aos reis também.
Na Bíblia, ela também continua aparecendo bem depois desse período. Segundo Carl P. Ruck, professor de mitologia clássica na Universidade de Boston, na época de Jesus existia uma tradição judaica de usar a planta no preparo de óleos, que além de serem utilizados em rituais, também tinham uso terapêutico. Segundo ele, existem evidências no Novo Testamento que sugerem que Cristo teria usado a substância para curar doenças que afetavam os olhos e a pele.
Segundo Ruck, “Não existe possibilidade de uma planta tão importante como fonte de fibras naturais para têxteis e óleos nutritivos e tão fácil de cultivar, tenha passado despercebida. A mera colheita induziria uma reação enteogênica” (efeito psicoativo de elevação espiritual).
Com as regras recebidas por Moisés, os religiosos judaicos monopolizaram o uso da Cannabis, privando todos os demais.
De cristão a Cristo
Diversos estudiosos dos textos sagrados lembram que alguns grupos entre os primeiros seguidores de Jesus colocavam a cerimônia de unção no centro do cristianismo. Eram os gnósticos (da palavra grega para “conhecimento”), que focavam na experiência presencial do óleo sagrado como definição do cristão, e não a fé de segunda mão pelas escrituras ou um padre.
Esses cristãos, que insistiram em promover determinados ensinamentos de Jesus, foram chamados de hereges e eliminados. Muitas das escrituras foram consideradas perdidas para sempre. Em 1945, um agricultor egípcio encontrou treze manuscritos dentro de uma jarra fechada. Eles foram enterrados por escribas do monastério próximo por volta de 367 DC, quando a Igreja tinha condenado o uso de textos não canônicos.
São documentos que mudam a forma como se compreende os pensamento de Jesus. Por exemplo, O Evangelho de Filipe, que proclama que qualquer pessoa que receba a unção não é mais um cristão, mas um Cristo. Essa transformação é então comparada ao efeito placebo do batismo adotado pela Igreja Católica Romana, onde os iniciados “entram na água e saem sem ter recebido nada”.
Os gnósticos acreditavam que o batismo aconteceu, mas apenas como um ritual de limpeza, em preparação para receber a unção do óleo sagrado – o verdadeiro sacramento. Chris Bennett escreveu: “as descrições Gnósticas dos efeitos do rito de unção deixam muito claro que o óleo sagrado tinha propriedades psicoativas intensas”, explica. Elas preparavam o fiel para a entrar em algo que pode ser traduzido como “felicidade perene” ou “benção duradoura”. Tudo pela graça da Cannabis.
(Fonte Redação Cannabis & Saúde)